quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Memorial


Alguns dizem que o gosto pelos estudos é genético, outros que é algo intrínseco ao indivíduo, mas seja lá o que for, posso afirmar que tenho uma soma desses fatores como cerne da minha paixão pelas letras.
Tudo começou na minha infância quando pela primeira vez me interessei por um papel e um lápis. Coitada da minha mãe... Coitados dos livros e capas de discos de vinil do meu pai...
Os rabiscos desajeitados foram aos poucos sendo lapidados pela paciência da minha mãezinha. Primeiramente, domados e encarcerados nos pontilhados em forma de ondinhas e montanhas. Caminhos que levavam a abelhinha até a flor. Depois, minhas mãozinhas, seguradas pelas mãos firmes e, ao mesmo tempo, doces de minha mãe, conseguiram fazer minhas primeiras letrinhas, palavrinhas, nomes e tudo mais que se pode escrever. Mainha, minha primeira professora...
Estava pronta para entrar na escola, um universo misterioso que há muito eu sonhava desvendar. Eu, filha única, pequenina, fui com minha mãe ao Colégio Regina Coeli fazer minha matrícula no Jardim porque ainda tinha cinco aninhos, porém para surpresa da diretora da escola, Irmã Paulina, eu já sabia ler. Lembro- me que ela me fez ler as plaquinhas que ficavam na grama da escola (“Não pise em mim.”, “Preserve a natureza”) e decidiu que eu deveria ser matriculada na turma de Alfabetização “para não atrapalhar os coleguinhas”.
Como filha única que era e sou, foi difícil me separar da minha mãe, mesmo que por pouco tempo e não foram raras as vezes que ela foi obrigada a ficar escondida na recepção da escola, o dia todo, porque apesar de toda a paciência da Tia Elizabete, eu chorava a cântaros e não deixava as outras crianças assistirem à aula dizendo que queria aprender outra coisa porque já conhecia aquela letrinha. “É o V da vaca Vuvu”. Só comecei a gostar da Cartilha a partir do segundo semestre quando iniciou a leitura de pequenos textos. Sabe-se lá quantas vezes li o texto da contra-capa:
Lá vai São Francisco
Pelo caminho
De pés descalços
Tão pobrezinho [...]
Os outros anos transcorreram mais tranquilos. Em casa, os estímulos à leitura continuavam. Meu pai sempre vinha da rua com revistas ou livros interessantes para alimentar o hábito de ler. Aprendi com ele a ler qualquer texto que aparecesse pela frente, fosse um Machado de Assis ou uma bula de remédio. Eram comuns momentos em que meus pais e eu nos reuníamos para ler e debater sobre os mais diversos assuntos. Foi uma maneira maravilhosa de desenvolver a minha percepção do mundo e diminuir a minha timidez, porque eu era livre para me expressar e opinar.
A escola era o lugar onde eu encontrava meus companheiros de brincadeiras e estudo e ao voltar para casa transformava tudo que havia aprendido em brincadeira. Na minha ingenuidade típica de criança, pedi ao Papai Noel um quadro negro e giz para que pudesse dar aulas para minhas bonecas. Quantas vezes fiz o papel de Tia Rosa?! Minha querida professora da segunda série no Ginásio de Limoeiro.
Foi exatamente no Ginásio de Limoeiro que nasceu em mim o desejo de ser professora, de ensinar tudo que eu conseguisse aprender e diante do meu gosto pela leitura não foi difícil escolher o curso de Letras.
Desde muito cedo, comecei a substituir meus professores em turmas de séries anteriores a minha e como num piscar de olhos estava prestes a cursar o Ensino Médio. Desejava fazer o magistério, mas fiquei frustrada porque nessa época o curso havia sido extinto e como no Ginásio não havia turmas para Ensino Médio, cursei Estudos Gerais na Escola Nossa Senhora de Fátima.
Antes mesmo de entrar na faculdade, comecei a lecionar voluntariamente em uma turma de pessoas com necessidades especiais em uma Associação na qual meu pai era presidente, a A.P.D.L. Dessa experiência consegui compreender toda a grandeza do amor ao próximo que nenhum dinheiro no mundo pode comprar. Até hoje sou a Tia Gaby deles e me sinto muito honrada por isso.
Quando finalmente consegui entrar no tão almejado curso de Letras, na Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata, fiquei radiante. Todo meu esforço estava sendo recompensado e outra etapa se iniciava. Comecei a dar aulas particulares, porque apesar de ser uma universidade pública, o material de estudo sempre custava muito.

Depois, passei a lecionar Inglês na Escolinha do Mickey e como num piscar de olhos vi minha vida toda passar pelos mesmos pontos por onde já havia passado. Voltei ao Regina Coeli para assumir as aulas de uma brilhante professora que precisara se ausentar, professora Maria José de Barros, a querida Zui. Embora com grande prazer de retornar a uma das casas que me acolhera tão bem na minha infância, precisei me afastar durante a gravidez.
Quando minha filhinha completou quatro meses, estava eu fazendo, pela primeira vez, um concurso público. Dividida entre os papéis, as canetas e os momentos que ela necessitava de mim, meu coração ficava apertado. Felizmente fui aprovada e rapidamente nomeada, assumindo aulas de Língua Portuguesa na Escola Seráfico Ricardo. Mas como a vida não é inerte, recebi um convite da então diretora do Ginásio, Idiana, para assumir aulas de Língua Inglesa e Língua Portuguesa.
Atualmente, sinto-me a boa filha que a casa torna, ora quando estou junto a minha família, ora quando estou diante dos meus alunos aprendendo o que eles têm para me ensinar, compartilhando tudo de bom que nós pudermos aprender.